11/02/2019

Uma grande evolução legislativa oriunda da Reforma Trabalhista (Lei. 13.467/2017) foi a criação da possibilidade de ajuizamento de uma ação, conjunta, entre empregador e empregado, com o objetivo de ver homologado o acordo extrajudicial celebrado entre eles, nos termos do artigo 855-B da CLT.

Art. 855-B.  O processo de homologação de acordo extrajudicial terá início por petição conjunta, sendo obrigatória a representação das partes por advogado.

  • 1º.  As partes não poderão ser representadas por advogado comum.
  • 2º.  Faculta-se ao trabalhador ser assistido pelo advogado do sindicato de sua categoria.

A ideia da criação de um procedimento judicial, sem litígio entre os interessados, com vistas à realização apenas da homologação se sua avença, dando-lhes a segurança jurídica de um título executivo judicial, não é uma total inovação no Direito Brasileiro. No CPC/2015 (artigo 725, VIII) há a previsão do que lá é chamado de “homologação de autocomposição extrajudicial”.

A criação de tal instrumento processual cível, de jurisdição não contenciosa, visava atender a uma demanda da sociedade que se via obrigada a “simular” um litígio para obter a chancela judicial em sua transação já previamente pactuada. Eram os casos em que os interessados já haviam entabulado um acordo, mas precisavam da chancela judicial para sentirem-se mais seguros quanto à sua eficácia. Nesse contexto, era ajuizada uma ação onde não havia litígio entre as partes, uma vez que o acordo já havia sido previamente entabulado e, em seguida, as partes apresentavam sua transação, almejando a respectiva homologação judicial.

Com isso, o credor tinha as vantagens inerentes ao título executivo judicial, podendo inclusive executá-lo em caso de descumprimento, e o devedor tinha a segurança jurídica inerente à coisa julgada e a garantia de resolução definitiva da contenda.

Na seara trabalhista, igualmente, prática semelhante não era rara de se ver, todavia com objetivos bem menos nobres. Empregadores conduziam seus empregados à justiça do trabalho, com uma lide simulada, sem nela abranger os seus verdadeiros direitos violados, objetivando a obtenção da homologação judicial pelo acordo já previamente imposto ao obreiro, com ampla quitação aos seus haveres trabalhistas.

Com frequência lamentável, empresas demitiam seus empregados e condicionavam o pagamento das verbas rescisórias ao ajuizamento de uma lide simulada. Assim, eles eram encaminhados a uma banca de advocacia onde a ação estava pronta para ajuizamento. Em audiência, as partes levavam ao juízo o “acordo” entabulado, momento em que, com a homologação, o empregador recebia ampla quitação ao extinto contrato de trabalho.

Nesta hipótese, por meio de ação rescisória (Súmula 259 do TST[1]), caracterizado o vício de consentimento do empregado em razão da conduta fraudulenta do empregador, o TST tem o decidido no sentido de rescindir a sentença homologatória do acordo em questão, cassando os efeitos da coisa julgada.

Contudo, quando a fraude é percebida ao tempo em que é cometida, ainda no trâmite da lide simulada, o juízo tem o dever de extinguir o feito sem resolução do mérito, lançando sobre a empresa o ônus decorrente de sua litigância de má-fé.

O novo procedimento especial de jurisdição voluntária criado pela reforma trabalhista, no entanto, não é mais um instrumento de prática ilícita de empregadores (ou por ambos os envolvidos) com vistas a praticar fraudes. Além disso, visa extinguir o que antes era tido por lide simulada, mas sem caráter fraudulento, onde empregado e empregador de fato entabulam um acordo extrajudicial, sem qualquer mácula em sua essência. Agora não são obrigados a ajuizar uma demanda trabalhista, sem litígio, apenas objetivando obter a tutela jurisdicional homologatório para o caso.

Tal simulação de litígio não é mais necessária. Os envolvidos, ao chegarem a um acordo sem qualquer demanda judicial prévia, podem pleitear do juízo a homologação de sua transação, dando ao empregado (ou prestador de serviços) a certeza da exequibilidade do título judicial daí decorrente, e ao empregador (ou tomador de serviços) a segurança da quitação dos haveres trabalhistas nele consignados.

Em tempos de ânimos acirrados em uma sociedade como a nossa, onde o litígio é a regra e a autocomposição é exceção, tal ferramenta pode ser de grande valia em busca da tão almejada e utópica “pacificação social”. Nela não há autor nem réu, não há opressor e oprimido, ofendido e ofensor. Há, tão somente, a “sentença” prolatada por aqueles a quem se destina o provimento jurisdicional, de comum acordo, sem qualquer tipo de coação, que almeja apenas a chancela do Estado, por meio da homologação judicial.

Há que se pontuar, contudo, que o artigo 855-B e §1º da CLT trouxe a imprescindibilidade de os interessados estarem assistidos por advogados diversos, o que é da mais absoluta relevância. Cabe aos patronos esclarecerem aos seus constituintes acerca dos direitos e deveres que estão sendo transacionados, bem como as consequências legais decorrentes da homologação judicial. Além disso, tal exigência aumenta a higidez da manifestação de vontade das partes, diminuindo os riscos de fraude, uma vez que somente ocorrerá se houver cumplicidade dos respectivos procuradores.

No mesmo dispositivo citado há a expressa determinação de que a petição inicial seja conjunta, de onde emerge um problema operacional decorrente do processo judicial eletrônico. É que no âmbito trabalhista, padronizou-se a utilização do sistema PJ-e. Ou seja, toda e qualquer ação trabalhista deve ser ajuizada por meio do referido sistema.

Ocorre que ele não ainda disponibiliza ao jurisdicionado uma ferramenta para a realização do protocolo de uma petição conjunta. Os advogados dos envolvidos não têm meio eletrônico de assinar, em conjunto, a petição do acordo, para ajuizamento do procedimento.

Em razão disso, é recomendável que o advogado de um dos interessados faça a distribuição da ação via PJ-e e, em seguida, o outro advogado protocolize uma petição ratificando os termos do acordo, apresentando sua procuração com poderes para transigir.

Embora a Lei não especifique os requisitos da petição inicial, é adequado a observância do artigo 840, §1º da CLT, devendo os requerentes observarem a adequada designação do juízo, qualificação das partes, indicar detalhadamente os termos do acordo, contendo a forma, valor  e prazo de pagamento (e das obrigações de fazer, se houver), o pedido de homologação, além da data e a assinatura dos advogados.

É importantíssimo que os requerentes também especifiquem na petição do acordo os direitos a que ele se refere, não comportando quitação genérica de todas os possíveis haveres trabalhistas. Tal requisito é fundamental por duas razões: a petição suspende a contagem do prazo prescricional apenas em relação aos direitos nela especificados, voltando a fluir após o trânsito em julgado da decisão que negar a homologação do acordo (artigo 855-E[2]); o resguardo do direito de uma das partes reclamar sobre violação de direito de que não tinha conhecimento ao tempo da transação, como é o caso de uma doença ocupacional cuja parte somente tenha tomado conhecimento após a homologação da transação, por exemplo. Ou também de alguma multa de trânsito que o empregado tenha dado causa em veículo da empresa, cujo conhecimento somente sobreveio posteriormente à homologação.

E em relação a honorários advocatícios de sucumbência? É bem verdade que a novel legislação trabalhista trouxe a possibilidade de condenação da parte vencida ao pagamento de honorários advocatícios ao advogado da parte vencedora (artigo 791-A[3]). Mesmo antes da vigência da Reforma Trabalhista, para advogados de sindicatos, atuando nesta condição, havia arbitramento de honorários (Súmula 219, I do TST).

Todavia, em caso de ação para homologação de acordo extrajudicial, por não haver litígio, portanto, não há vencedor nem vencido, pensamos ser incabível o arbitramento de honorários de sucumbência, nem mesmo quando os envolvidos estiverem assistidos pelos advogados de seus sindicatos respectivos.

É importante frisar que o artigo 855-C da CLT estabelece inequivocamente que o ajuizamento da ação em comento não obsta o prazo estabelecido no artigo 477, §6º da CLT, tampouco a penalidade prevista no §8º do mesmo dispositivo. Ou seja, deve o empregador pagar integralmente as verbas rescisórias devidas, bem como entregar os documentos necessários para acesso ao FGTS e ao seguro desemprego, em até 10 dias contados do término do contrato de trabalho.

Art. 855-C.  O disposto neste Capítulo não prejudica o prazo estabelecido no § 6o do art. 477 desta Consolidação e não afasta a aplicação da multa prevista no § 8o art. 477 desta Consolidação.

Daí emerge uma dúvida: se o juízo se deparar com uma situação em que o prazo previsto no artigo 477, §6º não foi observado e a multa do §8º não estiver contemplada no acordo, deve homologar o acordo?

Nessas circunstâncias, pensamos haver três possíveis saídas. Uma seria a homologação judicial com a ressalva expressa que a multa prevista no artigo 477, §8º da CLT não foi contemplada pelo manto da sentença homologatória; outra opção seria a determinação, pelo juízo, de pagamento da referida multa como condição para a homologação do acordo; ou pode recursar-se a homologar o acordo, decisão que desafia recurso ao Tribunal Regional do Trabalho.

O procedimento especial ora comentado é de celeridade utópica, se considerarmos a realidade de tempo de tramitação processual nos dias atuais. Todo o rito em questão deve ser concluído em até 15 dias, conforme estabelece o artigo 855-D da CLT:

Art. 855-D.  No prazo de quinze dias a contar da distribuição da petição, o juiz analisará o acordo, designará audiência se entender necessário e proferirá sentença.

Contudo, a inobservância do prazo em questão para finalização do procedimento não traz aos interessados nenhuma consequência jurídica, mas apenas ao Magistrado, caso fique configurado o retardo injustificado na tramitação processual.

Em relação ao artigo 855-D da CLT, o que merece maior atenção é a necessidade (ou não) da designação de audiência de conciliação.

Como se vê, o supratranscrito dispositivo celetista não torna obrigatória a designação de audiência. Todavia, é de bom alvitre a inclusão do feito em pauta, uma vez que somente em audiência é que o Magistrado tem efetivo contato com os interessados, garantindo a sua livre manifestação de vontade, bem como que ambas estão devidamente esclarecidas acerca dos termos do acordo e suas consequências jurídicas.

Em caso de ausência de qualquer dos interessados na audiência, a rigor, não há a aplicação de nenhuma das consequências previstas no artigo 844 da CLT (arquivamento da ação ou revelia). De igual modo, a Lei não trouxe nenhuma sanção para a parte que falta à audiência. Todavia, pode o magistrado, na intimação da audiência, advertir que a ausência injustificada de qualquer um dos envolvidos conduzirá ao arquivamento do feito, sem a homologação pretendida.

Conforme já mencionado, o Magistrado não tem nenhuma obrigação legal de homologar o acordo extrajudicial levado a seu crivo. Cabe a ele verificar a presença de todas as circunstâncias do negócio jurídico, bem como se não há a presença de qualquer vício de consentimento entre os envolvidos, principalmente do trabalhador, que normalmente é mais vulnerável perante o tomador de serviços. Portanto, o juiz pode recursar-se a homologar o acordo extrajudicial ou o homologar parcialmente, fundamentando devidamente sua decisão.

A decisão de nega a homologação do acordo ou o homologa apenas parcialmente desafia tanto embargos de declaração, nos casos de omissão, contradição ou obscuridade, quanto Recurso Ordinário ao TRT. Aqui não há o que se falar em irrecorribilidade da sentença homologatória do acordo prevista no artigo 831, §1º da CLT, uma vez que, caso contrário, fulminaria o princípio do duplo grau de jurisdição.

É importantíssimo frisar que, com o trânsito em julgado da sentença que nega a homologação do acordo, volta a fluir o prazo prescricional em relação aos direitos e deveres discriminados na petição do acordo, cuja suspensão havia ocorrido com o protocolo da petição.

A decisão que aceita o acordo que lhe é postado e, portanto, o homologa, igualmente deve ser devidamente fundamentada. Deve o julgador discriminar em sua decisão sobre quais direitos e parcelas recairão a coisa julgada.

É importante lembrar que a sentença homologatória do acordo tem natureza jurídica de título executivo judicial. Assim, havendo obrigações futuras (de pagar ou de fazer, por exemplo), a parte interessada pode promover a sua execução perante o juízo da homologação.

Dessa forma, este novo procedimento de jurisdição voluntária criado pela Reforma Trabalhista, se bem empregado, é de grande valia para diminuição de conflitos de competência da Justiça do Trabalho. Em tempos de acirrados ânimos na sociedade e de sobrecarga de trabalho para juízes e servidores da justiça do trabalho, todo e qualquer mecanismo eficaz, como este, é muito bem-vindo como forma de solução de conflitos.

Fabrício

FABRICIO SEGATO CARNEIRO

Formado em Direito pela PUC/Goiás

Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes/RJ

Advogado sócio do RCA Advogados Associados

Membro da Comissão de Direito do Trabalho da OAB/GO

Contato: fabricio@advrca.com.br

 

[1] Súmula nº 259 do TST. TERMO DE CONCILIAÇÃO. AÇÃO RESCISÓRIA. Só por ação rescisória é impugnável o termo de conciliação previsto no parágrafo único do art. 831 da CLT.

 

[2] Art. 855-E.  A petição de homologação de acordo extrajudicial suspende o prazo prescricional da ação quanto aos direitos nela especificados.

[3] Art. 791-A.  Ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.

Autor:

Equipe RCA Advogados

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