28/06/2017
Governo legaliza uma medida que em nada altera a prática dos setores mais ricos da economia
Foi aprovada pelo Palácio do Planalto a Lei nº 13.455, de 26 de junho de 2017, baseada na Medida Provisória 764 de 2016, que permite a concessão de descontos pelos comerciantes para quem pagar em dinheiro, ao invés das outras formas de pagamento, especialmente cartões de crédito e débito. Como sofreu alterações, a MP teve que ser sancionada pelo Presidente, ainda que estivesse em vigor desde dezembro.
A lei obriga o fornecedor a informar em local visível os descontos oferecidos em função do meio e do prazo de pagamento. Se ele não cumprir a determinação, ficará sujeito a multas previstas no Código de Defesa do Consumidor. Parte de um pacote macroeconômico, os defensores da medida advogam que na nova modalidade seria evitado o pagamento do subsídio cruzado, que é a incorporação das taxas de vendas em máquinas de cartões em todas as transações, nivelando por cima os preços; e que essa permissão de desconto provocaria uma maior competitividade do papel moeda, forçando as operadoras a diminuírem suas taxas, auxiliando inclusive no combate à alta da inflação.
Embora não seja obrigatória, a iniciativa legislativa regulariza uma prática usual do comércio, que é conceder o desconto entre 5 e 20 porcento para compras pagas em “dinheiro vivo” ou às vezes até mesmo cheque, em vista das altas taxas cobradas pelas operadoras de cartão, bem como do fluxo de caixa necessário para esperar o pagamento dos valores devidos após a conciliação. A lógica é simples: se a operadora cobra do comerciante uma taxa, digamos, de 12% sobre o valor da venda e repassa o crédito em até 30 dias, o comerciante ao aplicar um desconto de 10% para o pagamento em dinheiro à vista obtém um ganho de adicionais 2%, isso sem contar a melhora do fluxo de recebíveis.
Infelizmente a nova lei pode ter pouca ou nenhuma eficácia prática, seja para privilegiar as classes mais dependentes do dinheiro vivo, ou mesmo para a macroeconomia, pois atualmente os contratos de todas as operadoras de cartão trazem a expressa vedação da diferenciação de preço para seus comerciantes aderentes. O que antes era a réplica de uma disposição legal passou a ser uma manifestação da vontade de partes contratantes, e embora seja considerada nula pela Lei, poderá ser base de incentivos por parte das operadoras de cartão, que certamente farão uso de seu poderio econômico para manter a igualdade de condições.
Isso para não mencionar o fato que no Brasil as possibilidades legais são sempre colocadas em uso de maneira dúbia, citando os já clássicos exemplos de promoções comerciais que se valem de um aumento prévio de preço para em seguida oferecer o desconto, desvirtuando a “black friday” em “black fraude.” Não à toa alguns órgãos de defesa do consumidor como a Proteste estão preocupados e contrários à nova lei.
Assim, ao invés de focar seus esforços legislativos em iniciativas que teriam a real possibilidade de fomentar a economia, o Governo legaliza uma medida que em nada altera a prática dos setores mais ricos da economia, que vão continuar usando suas moedas de plástico, nem às classes mais pobres, que não irão se livrar da informalidade comercial por uma lei que a nada controla; e que pode, no máximo, incentivar novas fraudes aos consumidores.
Benedito Villela – Professor da Escola Superior da Advocacia
Fonte: https://jota.info
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